24 de out. de 2010

Entrevista: Azor Araújo - Presidente da ICAJ

Diretor Presidente da ICAJ (Instituição Cristã de Amparo ao Jovem), Azor Araújo é um verdadeiro defensor dos direitos da criança e do adolescente. Quem já teve a oportunidade de conhecer o seu trabalho à frente da Instituição, fica entusiasmado com tamanha boa vontade e um bem querer maravilhoso que reflete na forma como ele trata os acolhidos da ICAJ. Confira e deleite-se na entrevista com esta figura humana excepcional.
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(Por Elane Varjão)
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E.V. - Qual a sua formação?
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A.A. - Em nível teórico, tenho ensino médio completo, com formação em Técnico de Administração de Empresas (quando fiz o antigo 2º grau, escolhíamos uma formação a nível técnico e tínhamos aulas específicas daquela área). Em nível prático, caminho para 25 anos de atuação na defesa e garantia dos direitos da criança e do adolescente, além de ter atuado, em outras áreas profissionais, por outros anos.
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E.V. - Voce é natural de Salvador?
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A.A. - Sim! Nasci e fui criado no bairro de Brotas, no mesmo endereço em que resido até hoje.
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E.V. - O que te motivou a trabalhar com crianças e adolescentes?
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A.A. - Durante muito tempo não me fiz esta pergunta. Um dia, uma amiga me fez e, confesso, precisei pensar um pouco para responder. Acho que o fato de ter perdido meu pai, assassinado, quando tinha apenas 9 anos de idade, deve ter alguma influência nessa minha ação. Em 1986 o pai de uma amiga de minha irmã assumiu a Presidência de um "orfanato" e eu fui conhecer. Daí em diante me envolvi de tal forma, que aqui estou até hoje, tentando influenciar positivamente na vida dos meninos que são confiados à ICAJ.
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E.V. - O que vc acha das campanhas atuais do governo federal e local sobre o combate ao crack?
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A.A. - Ineficazes e insuficientes. Como sempre, busca-se atacar os efeitos e negligencia-se na causa. O problema vem desde a base, quando se deixa de investir em uma educação de qualidade e se deixa a criança e o adolescente relegado à própria sorte, sem espaços adequados de lazer e sem oportunidades de construção de um futuro promissor, além de impor-lhes condições desumanas de sobrevivência, sem a garantia dos direitos fundamentais, inerentes à pessoa humana e previstos na Constituição. Além disso, as campanhas deveriam explicitar mais os malefícios do crack para a saúde e para a vida em sociedade, viabilizando uma exposição de entrevistas com profissionais que atuam nessa área, inclusive psicólogos que ajudassem a apontar determinados comportamentos, dos pais, que distanciam seus filhos da relação familiar e os aproximam dos diversos perigos da vida. Valendo salientar que, embora eu tenha dado, na minha fala, maior enfoque aos menos favorecidos, o crack já não é mais um problema só das periferias, pois acabou por invadir, também, as áreas nobres da cidade, assustando aos que, até pouco tempo, apenas assistiam à degradação alheia e se sentiam distantes dessa dura realidade. Entendo que a educação, doméstica e formal, é o único caminho que poderá distanciar as nossas crianças e os nossos adolescentes das drogas, da prostituição e de outros tantos vícios que acabam por gerar a crescente violência que hoje assusta a todos. Este é um tema, como outras tantas enfermidades da nossa sociedade, que não pode ser tratado de forma sintetizada, já que traz uma gama de vertentes, entre causa e efeito, que precisariam ser melhor discutidas, entendidas e trabalhadas. Para se ter uma campanha bem sucedida, necessário se faz necessário construí-la de forma participativa, com todos os envolvidos na problemática, para que se tenha princípio, meio e fim, ao invés de ações isoladas, que consomem uma imensidão de recursos, sem surtir os efeitos necessários e desejados.
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E.V. - O que você acha da situação das crianças e adolescentes que usam drogas?
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A.A. - Extremamente preocupante, sobretudo se verificarmos que não existem, em Salvador, espaços públicos para tratamento, em sistema de internação, apropriados a crianças e adolescentes usuários de substâncias psicoativas. O que existe é a nivel ambulatorial, que não atende à necessiadade de quem já apresenta uma situação de dependência significativa.
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E.V. - Qual é o melhor caminho para ensinar um jovem a não entrar no mundo das drogas?
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A.A. - Amor familiar e diálogo permanente, percebendo o filho como ser em desenvolvimento, necessitado da presença amiga dos pais e de exemplos que ajudem a moldar o caráter e a personalidade. No processo educativo, o "ter" nunca pode se sobrepor ao "ser".
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E.V. - Vocês (ICAJ) têm problemas com adolescentes que usam drogas?
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A.A. - Não é o mais comum. Os usuários de substâncias psicoativas demandam um atendimento especializado, não só no que diz respeito à equipe profissional, mas, também, na própria dinâmica da entidade, que precisa ter regras adaptadas às necessidades dessa clientela. Na ICAJ nos chegam alguns adolescentes com vivência em uso de substâncias psicoativas, mas sem uma situação de dependência mais significativa. Como são situações mais para moderadas, é possível tratar só com o atendimento ambulatorial, ficando por conta da ICAJ dar o suporte emocional, ou seja, sendo a retaguarda familiar.
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E.V. - Qual a real missão da ICAJ?
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A.A. - Amparar, em regime de acolhimento institucional, como preconiza a Lei, pré-adolescentes e adolescentes, órfãos ou impossibilitados do convívio familiar, lhes garantindo todos os direitos fundamentais que viabilizem a conquista de uma nova realidade de vida. Em princípio, o objetivo é viabilizar o retorno ao convívio com a família biológica. Não sendo possível, trabalha-se, então, com a possibilidade de colocação em família substituta. Em último caso, mostrando inviáveis as duas opções anteriores, trabalha-se com a perspectiva da construção de um projeto de vida independente.
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E.V. - Quais os princípios e valores do trabalho da Instituição?
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A.A. - Inteira responsabilidade com cada uma das vidas que nos são confiadas, no sentido de lhes oportunizar o resgate da auto-estima e a construção de um projeto de vida, sempre distanciando da relação puramente institucional e aproximando, ao máximo, da relação familiar, ensinando, através do exemplo, valores como: amizade, respeito, responsabilidade, sinceridade, lealdade, humildade, solidariedade e amor.
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E.V. - Há quanto tempo você coordena o ICAJ?
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A.A. - Fundei a ICAJ, junto com um grupo de amigos, em 10 de março de 1989, ainda à luz do Código de Menores, quando, estando com nove adolescentes fugitivos de uma outra Instituição (àquela época intitulada de "orfanato"), ficamos sem ter onde colocá-los, já que todas as instituições que buscávamos se negavam a receber maiores de 12 anos de idade. Éramos, à época, apenas um grupo de amigos com uma ação voluntária semanal, nas áreas de recreação e atividades esportivas, junto a crianças e adolescentes de um "orfanato" de Salvador. Diante da impossibilidade de colocar aqueles nove adolescentes em instituições que considerávamos confiáveis, e ante a possibilidade destes serem encaminhados para o CRT (Centro de Reabilitação e Triagem), que era uma FEBEM da época, decidimos fundar a ICAJ, para nela acolher adolescentes órfãos ou impossibilitados do convívio familiar, ou seja, para trabalhar com a faixa etária que ninguém queria trabalhar. Na primeira gestão de Diretoria, fui Vice-Presidente. Na segunda, por discordar, inteiramente, da condução dada pelo Diretor Presidente da primeira gestão, assumi a Presidência, junto com um grupo de sócios que comungavam dos mesmos princípios, e, desde então, tenho estado sempre a compor a Diretoria da ICAJ. Atualmente ocupo a função de Diretor Presidente, com mandato até 2011.
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E.V. - A ICAJ pertence a alguma rede de abrigos?
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A.A. - Desde o ano de 2004 que as Instituições de acolhimento de crianças e de adolescentes de Salvador se uniram e passaram a atuar em rede, com reuniões mensais, objetivando traçar estratégias de ação que viabilizem a melhoria, cada vez maior, da qualidade dos serviços oferecidos. Nas reuniões ocorrem trocas de experiências, formações dadas por pessoas de reconhecida ação no sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente e construção de estratégias que viabilizem uma maior e melhor participação do Poder Público no co-financiamento das ações. A ICAJ, inclusive, é uma das Entidades que coordena a Rede de Instituições de Acolhimento.
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E.V. - Quantos profissionais atualmente trabalham no ICAJ e qual a formação deles?
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A.A. - A ICAJ atua com a colaboração de contratados: quatro educadores (com ensino médio); uma assistente social; uma psicóloga. Voluntários: uma pedagoga; uma contadora; além de outros profissionais, com formação variada, que atuam em diversos setores (Comissão de Eventos, Comissão de Educação, Comissão de Atividades Esportivas e Recreativas e Comissão de Articulação).
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Elenco da peça "Direitos... queria tê-los!", do Grupo ICAJmania
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E.V. - Quem sustenta a Instituição?
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A.A. - Deus!!!! Pode ter certeza que é Ele, pois, matematicamente falando, nossa receita mensal fica longe da satisfação das necessidades da Instituição. Basta dizer o seguinte:
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a) O Poder Público (União, Estado e Município) só arca com 45% dos custos de cada criança/adolescente acolhido na Instituição e, mesmo assim, ainda se permite atrasar os repasses financeiros em até NOVE meses, como está ocorrendo agora em 2010. E assim tem sido ao longo desses últimos CINCO anos, em que saímos de uma participação, vergonhosa, do Poder Público, de apenas 3% de co-financiamento dos custos de cada acolhido, para os atuais 45%. Vale aqui salientar que o Poder Público Municipal, que deveria assumir a Política de Acolhimento Institucional de crianças e de adolescentes de Salvador, tem capacidade instalada para atender a apenas 10% da demanda, enquanto a Rede de Abrigos atende aos 90% restantes. Mesmo com essa desproporção, ou seja, mesmo com a Rede de Instituições de Acolhimento assumindo essa Política em Salvador, ainda tem que arcar com 55% dos custos de cada criança/adolescente acolhido e amargar atrasos, nos repasses financeiros dos 45% de responsabilidade do Poder Público (União, Estado e Município), em até NOVE meses;
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b) Temos parceria com a Associação Dom Lucas, através do Projeto Conexão Vida, por meio do qual nos são repassados recursos financeiros mensais que garantem 6% (seis por cento) dos custos dos nossos acolhidos;
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c) Temos parceria com um grupo de amigos italianos, da cidade de Bergamo, liderados por uma amiga nossa, que foi voluntária da ICAJ em 1996, que nos repassa, mensalmente, recursos financeiros que garantem 6% (seis por cento) dos custos dos nossos acolhidos;
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d) Alguns amigos brasileiros colaboram, mensalmente, com doações feitas diretamente na conta bancária da ICAJ, garantindo cerca de 5% (cinco por cento) dos custos de cada acolhido;
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e) Temos parceria com os Programas Mesa Brasil e Prato Amigo, por meio dos quais nos chegam, semanalmente, alimentos perecíveis (frutas, verduras, legumes, pão e iogurtes perto da data de vencimento);
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f) Os 38% que faltam, mensalmente, para cumprir a totalidade dos custos de cada acolhido da nossa Instituição, são buscados por meio de ações, tipo: Apresentações Teatrais; Feira da Pechincha, Festas e Almoços Beneficentes, Doações Extras de Amigos, dentre outras.
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Obs: Quando digo que é Deus quem mantém, é justamente por conta de já ser difícil cumprir com os 38% dos custos que ficam, mensalmente, em aberto, e ainda temos que administrar a ausência, por meses seguidos, dos 45% que são de responsabilidade do Poder Público. Será que os nossos governantes pensam que criança e adolescente só come e só adoece de nove em nove meses e que a Coelba, a Embasa e a Oi aguardam o pagamento das taxas por até nove meses? Que eles respondam!

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