Parecia tudo normal - pelo menos para quem costuma frequentar teatros em Salvador -, o velho clima de deboche, o sotaque frenético dos atores baianos, a interação com a plateia, as danças, as músicas e as gargalhadas. Em alguns momentos, dava para se sentir na poltrona do Teatro Vila Velha assistindo ao consagrado Bando de Teatro Olodum, tamanho o profissionalismo daquele grupo composto por apenas 5 adolescentes.
Mas não era normal. (Não me parece normal uma mãe ou um pai abandonar seu filho, não parece normal um jovem largado nas ruas resistir à tentação das drogas e, muito menos, não me parece normal, ou comum, uma instituição abraçar todas essas crias, amando-as e educando-as como uma verdadeira família deve fazer, mesmo sem receber ajuda financeira por meses a fio).
Sobre esse último recém-fechado parêntese, abrirei mais um (a tal instituição atende pelo nome de ICAJ - Instituição Cristã de Amparo ao Jovem – e mantém ações voltadas ao abrigo de pré-adolescentes e adolescentes do sexo masculino, órfãos ou impossibilitados do convívio familiar. Eles são encaminhados pelos conselhos tutelares, Ministério Público do Estado ou pelo Juizado da Infância e Juventude. Mas o detalhe mais importante e triste é que, neste ano, nenhum centavo da verba, que deveria vir da Prefeitura de Salvador, foi repassado a eles).
Bom, voltando à peça, algumas informações eu disponho e, no momento, posso fornecê-las: o grupo de teatro chama-se ICAJmania e a peça tem o título “Direitos... queria tê-los!”. O roteiro é de Azor Filho - coordenador da instituição -, com poemas de Deodato Rivera. Só não me perguntem a duração do espetáculo, pois, sinceramente, eu não vi o tempo passar.
O que posso dizer com propriedade – depois de conversar com a pedagoga Lícia Bastos, a assistente social Inês Rosa, o próprio Azor e os talentosos abrigados – é que o projeto começou como uma brincadeira de final de ano. “Nosso objetivo sempre foi, no riso ou no choro, despertar a solidariedade de quem está de fora. Quando vimos que levávamos jeito, resolvemos que esta seria uma forma de captar recursos para nos manter”, explicou-me o coordenador.
E, por falar em choro, como refrear as lágrimas quando se ouve de um menino de 17 anos que a primeira vez que escutou “eu te amo” foi há pouco, muito depois de perder o contato com sua família? Como não me achar, no mínimo, frívola, ao perceber que - enquanto meu futuro sempre esteve traçado por meus pais, que mantinham uma poupança para os meus estudos -, um menino, que não sabe o paradeiro dos pais (ou, com razão, nem quer saber), é só sorrisos porque conseguiu a oportunidade de prestar vestibular e ser alguém (um engenheiro mecânico, imagine só!)?
Como já dizia Shakespeare, em Hamlet: "há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia". Existem ações, reações, relações, interações (e outros "ções" mais) entre humanos que ainda são desconhecidas as causas. O porquê de uma mulher rejeitar um filho? O porquê da violência? O porquê do ódio? O que é o amor? Enfim, vale à pena sair do casulo vez em quando e constatar que a vida é mais do que a diferença entre o carro que você e o seu vizinho têm.
E fica a dica para quem ficou interessado no espetáculo: neste final de semana (18 e 19), às 19h, haverá mais apresentações. Será na Sede da ICAJ, que fica na Rua Cael, nº 29 – Acupe de Brotas (subindo a ladeira do Acupe, a rua Cael é a segunda entrada à direita). Os ingressos podem ser adquiridos no local pelo valor de 5 ou 10 reais (de graça, gente!). Vale muito a pena conferir!
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